Insensibilidade dos religiosos

Se há alguém que me impressiona muito na Bíblia é Ana, mãe de Samuel.

Parece que cada vez que leio a sua história (curta, nas páginas da Bíblia), há algo novo que surge no meu coração.

Ana era uma mulher extremamente sensível e mansa, com outros e em relação a Deus. Tinha uma sensibilidade e uma mansidão que eu invejo. Não hipersensibilidade desiquilibrada, mas sensibilidade humana e espiritual. Não era "parvinha, capacho", mas era muito mansa.

Uma das muitas coisas que tenho aprendido com ela ultimamente tem sido a reacção dela com Eli, o sacerdote.

Depois de sofrer por tanto tempo as humilhações da outra esposa do marido, Ana, que chorava muito e não conseguia nem comer, dirigiu-se ao Santuário, e aí derramou-se completamente diante do Senhor.


"Ana estava muito triste e, enquanto orava ao Senhor, as lágrimas caiam-lhe abundantemente." I Sm 1:10


E ficou muito tempo em oração. E eu só a consigo imaginar numa posição: prostrada. Consigo até imaginar as suas vestes, espalhadas no chão. Só ela e Deus poderiam avaliar o sofrimento que estava no seu coração.

Normalmente, pelo menos comigo é assim, os momentos mais prolongados que passo com Deus são em alturas difíceis. Parece que estar com Ele é um refúgio autêntico, onde as lágrimas saem, onde tudo aquilo que atribula o meu coração vai saindo, pelas minhas palavras, pelo meu silêncio ou simplesmente pelas minhas lágrimas.

E são momentos que, geralmente, produzem em mim o mesmo efeito que em Ana:


"Então ela foi-se embora, comeu alguma coisa e já parecia que tinha outra cara." I Sm 1:18b


A mim choca-me a reacção de Eli com ela. Eli, um sacerdote de Deus, foi extremamente insensível para com Ana.

Consigo imaginar Ana prostrada no chão, orando silenciosamente, com as lágrimas a cair, durante horas e Eli, levantar-se do seu lugar na entrada do templo e aproximar-se, silenciosamente, de Ana.

Deve ter-se baixado devagar até Ana e tentou escutar o que ela dizia. Como não ouviu nada, disse-lhe algo que a mim me teria ferido profundamente numa situação daquelas:


"Até quando continuarás embriagada? Vai curtir a bebedeira para outro sítio!" I Sm 1:14


Um balde de água fria! Como é que alguém que devia estar familiarizado com as coisas do Reino espiritual pôde ser tão frio e tão incompreensível com alguém que estava tão ligado ao Senhor naquele momento?

Penso muito no que teria levado Eli a não discernir o que se passava entre Ana e Deus naquele momento.


Será que ele não estava habituado a passar, ele próprio, tanto tempo diante do Senhor?


Será que não estava habituado a ver alguém com uma postura tão sincera diante de Deus? Se calhar estava mais habituado a celebrar os sacrifícios apenas do que a ver alguém a fazer algo mais. Não sei.


Se calhar não era normal ver alguém com um relacionamento tão chegado a Deus, pois nos tempos do filho de Ana, Samuel, diz a Palavra que Deus falava muito pouco naquela altura.

Talvez Ana tivesse feito publicamente algo que não era normal naquele tempo. E Eli não a compreendeu. Porque se tivesse entendido, ter-se-ia alegrado pelo que estava a ver. Se calhar teria falado com Ana, mas sobre a sua situação. Tê-la-ia encorajado.

Se fosse eu, naquela situação, teria ficado muito chateada e triste com Eli e se calhar teria reagido mal, virando-lhe as costas e saindo do templo, desapontada com ele. Teria pensado: "Insensível!"

Mas Ana teve uma atitude que também me choca, pela positiva: foi tão mansa! Não a consigo imaginar a dizer o que disse a Eli sem as suas palavras serem mansas e suaves. E no fim da conversa deles, ela disse algo que me prova isso:


"Possa eu ser sempre bem acolhida por ti, meu senhor!" I Sm 1:18a


Se fosse eu, teria dito com toda a ironia, ou pelo menos pensado: "Obrigada por seres tão insensível, tão compreensivo. Vê lá se para a próxima reages de forma diferente com quem está a ser sincero." Ou então, mais provável, não lhe dizia nada e nunca mais lá voltava.

Mas Ana foi mansa e o próprio Eli acabou por entender o que se tinha passado, tanto que lhe desejou que Deus lhe concedesse o que ela pediu.

E foi a esse mesmo homem que Ana, passado uns tempos, entregou Samuel, tão pequenino ainda, para que servisse a Deus ao lado dele.

Fico a pensar muito em Ana. O meu coração fica ligado na sua forma de ser... e fico a meditar nestas coisas... profundamente... Que Deus me ajude a ser mansa e sensível, com Ele e com os outros.

3 comentários:

Anónimo disse...

Linda postagem sobre a sensibilidade e mansidão de Ana. Chamou-me a atenção em suas palavras a indiferença de Eli.
Um abraço
Antonio Francisco.

The Pescador disse...

Nunca tinha reparado nessa parte da história realmente impressionante a mansidão de Ana
"Sedes pois mansos como a pomba e astutos como a serpernte"
Senhor molde meu carater
Deus abençoe

O Profeta disse...

Li no encanto o teu rio de limpidas palavras...

Beijinho